Há quase um ano, estive em uma reunião de financiadores para discutir e analisar o fechamento de espaços da sociedade civil. Como imaginávamos o futuro e a distopia foi um dos temas centrais da conversa. Decidi me calar frente a pergunta sobre como imaginava o futuro, porque sendo do Sul e sabendo e agradecendo o quão imprevisível é a vida, fiquei impressionada de não haver lugar para a incerteza na discussão.
A incerteza entrou em nossas vidas através desta crise de saúde. O incerto é revelado, para nos mostrar que a lógica racional, a de resultados previsíveis e linearidade, nem sempre funciona.
Hoje, a incerteza também questiona como estamos vivendo, onde estão nossas prioridades e quais são os valores em que apostamos como sociedade e como humanidade?
Está claro para nós que o paradigma do capital sobre o humano e a vida, que impede acesso igualitário à saúde e a uma vida decente, determinará a mortalidade seletiva em nossos povos e quem poderá se recuperar dessa crise. É claro para nós quem são os que continuam a lucrar com doenças e mortes, e pior ainda, aqueles que usam esse momento para continuar perseguindo e criminalizando os que lutam pela vida e questionam a injustiça. Está claro para nós que essa crise da saúde destaca desigualdades e privilégios. O isolamento em si, que deveria ser uma medida de segurança para todas as pessoas neste contexto, se torna um privilégio, assim como a conectividade, nem todos podem ou têm um lugar para ir, ou como se conectar.
Está claro para nós que não é a pessoa individual que se salva, mas a coletividade que pode fazer a diferença. Está claro para nós que a comunidade e a solidariedade que contribuem para o CUIDADO coletivo e abrem uma nova oportunidade de mudança.
Acreditamos que é essencial fazer uma pausa, analisar novamente quem tem as responsabilidades com o CUIDADO e como isso afeta a vida cotidiana. Reconhecer que o ritmo mudou, que o equilíbrio entre a vida profissional e a família exige outros cuidados e tempos e que, para cuidar de nós mesmos e dos seres vivos sob nossa responsabilidade, precisamos tornar nosso dia de trabalho mais flexível e repensar a lógica produtivista do trabalho. Além disso, repensar a proteção e o CUIDADO durante o isolamento.
Esperamos que essa pausa forçada nos permita se reconectar com a vida de outras maneiras, para que nossas lutas se aprofundem por uma vida mais saudável, equilibrada e justa para as pessoas, os seres vivos e a natureza.
Tatiana Cordero Velásquez
Diretora Executiva
Fundo de Ação Urgente
América Latina e Caribe
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