Já se passaram dois anos desde o início da pandemia de Covid-19, um acontecimento histórico ao qual os governos responderam com medidas de isolamento e confinamento. Enquanto as fronteiras fechavam, o número de mortes crescia. No Fundo de Ação Urgente para a América Latina e o Caribe (FAU-AL), tomamos medidas de cuidado e proteção para nós mesmas como equipe; mas também para continuar a acompanhar aliades e parceires, que enfrentavam estes contextos de militarização e vigilância.
Depois de alguns meses, começamos a nos perguntar: quanto tempo as medidas vão durar? Como serão aprofundadas as crises que já estão sendo vivenciadas em nossa região? Como as lutas e resistências que já são urgentes poderiam ser colocadas em segundo plano, dado que o foco estava em conter o vírus de tratar a doença?
Com Tatiana Cordero, Diretora Executiva do FAU-AL, em março de 2020, começamos a refletir e a pensar sobre o que significava viver na incerteza. Durante esse período, ouvimos seus ensinamentos e aprendizagens, mas também decidimos olhar além da incerteza e começamos a cultivar o equilíbrio. Não tem sido um caminho fácil, mas somos nutridas por várias estratégias e encontramos certezas dentro da organização que nos permitem lidar com o mundo mutável e volátil em que vivemos atualmente. Desta forma, continuamos a apoiar os movimentos de mulheres, feministas e pessoas LBTIQ+ na América Latina e no Caribe.
Uma das perguntas que tem guiado nosso proposito nos últimos dois anos é: onde estão nossas prioridades e quais são os valores em que temos apostado como sociedade e como humanidade? A partir deste questionamento, tomamos várias decisões. Demos o tempo necessário para ouvir as necessidades que temos como equipe, e dedicamos especial atenção às necessidades que vêm das pessoas que apoiamos, porque sabemos que em cada comunidade e território, a pandemia é vivida de maneira diferente.
Permitimo-nos pausar para recomeçar com energias renovadas, honrando o caminho e a morte que nos acompanhou tão de perto no decorrer destes tempos. Tivemos que nos despedir de pessoas que nos guiaram, uma delas foi Tatiana Cordero, que faleceu em abril de 2021. Sua partida implicou um grande movimento interno e em cada uma de nós pessoalmente.
Abraçar a incerteza não é fácil, mas usamos a flexibilidade e a capacidade de adaptação a partir das quais a América Latina e o Caribe existem e resistem. Modificamos os planos, adaptamo-nos, refletimos sobre a urgência, ampliamos nossos critérios de apoio e alongamos os prazos. Nós nos reconhecemos nas outras pessoas e sempre lembramos dos objetivos e metas que nos levaram a este caminho, pois eles nos chamam para construir outros mundos possíveis e este sonho não mudou, mesmo agora que há uma comoção global.
É visível para nós que a incerteza estará sempre conosco, mas também sabemos que é importante construir algumas bases que nos proporcionem equilíbrio e calma em momentos em que tudo está tumultuado. Olhamos profundamente para nós mesmas e redescobrimos nossos pontos fortes e fracos, de modo que temos bases e pilares que nos dão direção e caminhos a seguir.
Reconhecemos que o paradigma que prioriza o capital sobre os corpos e a vida, e impede o acesso igualitário à saúde e a uma vida decente para todes, segue vigente. É claro para nós quem são os que continuam a lucrar com doenças e mortes, e pior ainda, aqueles que usam esse momento para continuar perseguindo e criminalizando os que lutam pela vida e questionam a injustiça. Nestes momentos as fissuras democráticas e suas debilidades ficam evidentes, como parte de um um modelo de mundo onde a discriminação, o racismo e a desigualdade são a forma normalizada de atuar.
A coletividade é o que nos permite pensar em nós e fazer diferença. A força coletiva é o que nos move para um lugar melhor; equitativo, cuidadoso e diverso. É a comunidade e a solidariedade que contribuem para o cuidado e abrem novos caminhos e possibilidades.
Acreditamos que é fundamental nos escutarmos, compreender as diferenças e semelhanças em nossos contextos e nos tornarmos mais fortes, ao compartilhar conhecimentos e experiências a partir dos territórios. Entendemos que a força das mulheres e das organizações nos permite fazer e agir de outras formas, sempre priorizando a existência. É fundamental reconhecer que os ritmos de vida mudaram, e isto nos permitiu sentir tranquilidade sem colocar mais pressão sobre nós além daquelas que já temos.
A força e o apoio de fora que sentimos nos permitiu permanecer conectadas ao nosso trabalho diário e à resistência coletiva. Esperamos seguir construindo reflexões com todas as pessoas com quem trabalhamos e, ao mesmo tempo, continuar imaginando outros mundos possíveis.