Defender o lago é defender a vida. Coletivo Comunidad Tz´unun Ya

21 Março 2023

As mulheres do departamento de Sololá na Guatemala enfrentam altos níveis de poluição encontrados no lago Atitlán. Elas têm um grande vínculo espiritual com essa fonte de água que agora, além de receber águas residuais, é o destino de grande parte do lixo plástico gerado na região. Por isso, as mulheres do Colectivo Comunidad Tz´unun Ya´ realizam trabalhos de limpeza no lago e lideram uma batalha judicial contra o projeto estatal “Mega — Recolector de Aguas” (Mega — Coletor de Águas). O projeto é uma solução para o problema da poluição que não considera as vozes das comunidades indígenas, não responde a todas as problemáticas que enfrentam e só beneficia grupos de poder econômico nacional e internacional. Acompanhadas pelos conhecimentos ancestrais e um profundo vínculo espiritual com o lago, elas propõem uma série de ações para defender a água e, com isso, a vida.

O lago Atitlán está localizado no departamento de Sololá, na Guatemala. Rodeado por três vulcões gigantes, Atitlán é o lago mais profundo da América Central. A sua beleza atrai quase 1 milhão de turistas por ano. Para as pessoas que vivem ao redor dele, sua importância ultrapassa o aspecto visual, porque o lago representa um dos vínculos espirituais e ancestrais das mulheres com a vida. É por isso que elas limpam, cuidam e defendem o lago Atitlán.

A poluicão coloca em perigo o lago e todas as pessoas que vivem ao seu redor, principalmente os povos maias. As fontes de poluição são variadas: a descarga de águas residuais, os químicos e fertilizantes utilizados nas atividades agrícolas, os resíduos sólidos (lixo), a demanda turística desmedida, a erosão e o desmatamento da região, além da ação escassa institucional para proteger e cuidar do lago de maneira coordenada e integral.

Pelo menos desde 2009, grupos de lavadeiras das margens do lago Atitlán, na jurisdição de San Pedro La Laguna, alertaram as autoridades municipais e de saúde pública sobre a presença de manchas verdes que flutuavam nas águas. Foi possível identificar que as manchas foram geradas por resíduos de lixo, especialmente de plásticos de uso único, que afetam diretamente a saúde desta população. Consta-se que 70% da água já está contaminada com partículas de microplástico, denominada por elas de "violência silenciosa e instaurada" no lago.
Há quatro anos, o governo guatemalteco apresentou o projeto chamado "Mega - Coleta de Águas" como solução para os problemas enfrentados pelo lago. Foi nesse momento que começou a ação do Colectivo Comunidad Tz´unun Ya´.

De acordo com Nancy Gonzales, coordenadora do coletivo, este projeto "não é uma resposta inclusiva e efetiva, e sim o produto de decisões políticas orientadas pela ideologia do mercado, para o benefício de alguns grupos de poder econômico nacional e internacional".

Com o apoio de pessoas universitárias, as integrantes do Colectivo Comunidad Tz´unun Ya´ identificaram que, se o projeto for implementado sem consulta prévia com a população indígena que habita o território, só solucionaria 14% da poluição gerada atualmente e que estão relacionadas com as águas residuais.

No âmbito dos processos de organização e resistência, elas realizaram uma assembleia comunitária para informar o resto da população sobre os riscos do projeto. Além disso, geraram várias jornadas de formação sobre a importância de defender o lago e sobre o direito à consulta prévia, livre e informada, garantido pela Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Elas também iniciaram um processo legal perante o Tribunal Constitucional para interromper o projeto.

As mulheres que integram o Colectivo Comunidad Tz´unun Ya´ sustentam uma oposição proativa neste projeto, pois sabem que a contaminação é real. Elas lembram que há 25 anos o lago era cristalino, com as praias cheias de areia e "havia vida em abundância no lago. Nestes últimos anos, o sistema capitalista e o consumismo levaram o lago a uma deterioração enorme, tiram uma grande quantidade de areia e a praia se tornou pantanosa".

Concomitante ao processo jurídico para frear o megaprojeto, elas realizam outras ações para diminuir os níveis de poluição. Em relação às águas residuais, estas mulheres propõem a instalação de biodigestores nas casas para fazer um tratamento dos resíduos de maneira individual e em seguida serem levados a uma fossa comunal. Elas também começaram os processos de transição de fertilizantes químicos para fertilizantes orgânicos na agricultura local. Além disso, desejam recuperar as praias e declará-las de uso comunitário, pois as praias servem de filtro natural.

Com a organização de jornadas de limpeza nas praias e no lago, onde se classificam os resíduos sólidos, o coletivo conseguiu a aprovação do Acordo Municipal n° 111 – 2016 que proíbe canudos, isopores e plásticos de uso único.

As integrantes do Colectivo Comunidad Tz´unun Ya´ também sabem que tanto o governo como as empresas devem assumir responsabilidades no que se refere à geração de poluição e lixo. Para fazer um apelo internacional e deixar uma mensagem explícita à indústria do plástico que opera na Guatemala, em novembro de 2022, após realizar um dia de limpeza no lago, elas fizeram um protesto pacífico no qual "devolveram" o lixo às empresas que o geram.

Durante essa manifestação, elas jogaram todo o lixo que haviam coletado em frente às instalações do Comitê Coordenador de Associações Agrícolas Comerciais, Industriais e Financeiras (CACIF) da Guatemala. "As empresas devem assumir o compromisso com o destino de seus resíduos, pois estão nos transformando em lixões, estamos sacrificando terrenos para nos tornarmos lixões".

Nós do FAU-LAC pudemos acompanhar estes processos de resistência e conversar com o coletivo nos permitiu entender que a defesa da água é uma defesa da própria vida. As mulheres chamam o lago de Qatee´Ya´, que significa "nossa avó lago". "Ela é nossa ancestral, doadora de vida, porque nos provê de alimento, de sustento, e até de calma. Quando nos sentimos mal ou estamos tristes, vamos ao lago. É por isso que dói o que está acontecendo com a nossa mãe, dói ver que as empresas contaminam o lago".

As mulheres da Comunidad Tz´unun Ya´ participam da campanha #MujeresSomosAgua (#MulheresSomosAgua) para encontrar soluções reais, integrais e inclusivas. Também se uniram ao apelo internacional que realizaram para que os governos e as empresas assumam as responsabilidades perante os problemas de poluição de água que nos afetam cada vez mais.


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